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Archive for the ‘Livros’ Category

Receava, particularmente, a forma mais sutil da liberdade, a única roupa que caía bem na Maga, se perdesse numa feminilidade diligente. Tranquilizou-se, pois o regresso da Maga ao plano do cafezinho e da visita ao bidê foi assinalado por uma recaída na pior das confusões. Absolumente maltratada durante toda aquela noite, aberta a uma porosidade de espaço que late e se expande, suas primeiras palavras, já do lado do terreno, tinham de açoitá-la como chicotes e sua volta à beira da cama, imagem de uma consternação progressiva que procura neutralizar-se com sorrisos e uma vaga esperança, deixou Oliveira bastante satisfeito. Já que não a amava, já que seu desejo tinha de cessar (porque não a amava, e o desejo cessaria), era preciso evitar como a peste toda e qualquer sacralização daqueles jogos. Durante dias, durante semanas, durante alguns meses, cada quarto de hotel e cada praça, cada posição amorosa e cada amanhecer num café do mercado: circo feroz, operação sutil e balanço lúcido. Chegou a saber, assim, que essa morte deveria ser fênix, o ingresso no concílio dos filósofos, ou seja, nos bate-papos do Clube da Serpente: a Maga queria aprender, queria instruir-se. Horácio era exaltado, chamado, convocado para a função de sacrificador lustral e, como quase nunca se encontravam, pois eram inteiramente diferentes em pleno diálogo e andavam por coisas tão opostas (e ela o sabia e o compreendia muito bem), então, a única possibilidade de encontro estava em que Horácio a matasse no amor, no qual ela conseguia encontrar-se com ele, no céu dos quartos de hotel, onde se enfrentavam iguais e despidos, onde se podia consolar a ressureição de fênix, depois dele a ter estrangulado deliciosamente, deixando-lhe cair um fio de baba da boca aberta, olhando-a, estático, como se começasse a reconhecê-la, a fazê-la sua de verdade, a trazê-la para seu lado.

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#Avatar

Esqueça o cinema que conhecia. Avatar, filme que James Cameron demorou quase 10 anos para gerar, estende a ponte por qual Hollywood irá atravessar rumo a ressignificação da experiência áudio-visual. O 3D e a alta definição conduzem esse salto. O aprendizado que o ex-mariner Jake Sully passa no planeta Pandora educa o olhar do espectador para além da narrativa tradicional, transformando a experiência do cinema em imersão quase total. Nas mãos de Cameron, o filme deixa de ser mera narrativa e passa a ser um ato de fé, ou, como ensinam os Na’vi, uma comunhão.

#Koti e os Penitentes

Misture num mesmo recipiente musical Tom Waits, o espírito das Basement Tapes, teatro vaudeville, westerns spaghetti e alta concentração de teor alcoólico. Só pode sair dessa mistura um dos mais divertidos e interessantes discos desse ano. Caído na Sarjeta é projeto paralelo de Koti, ou melhor, é o Lendário Chucrobillyman em formação de quadrilha; com o gatilho mais rápido do interior, atira músicas que falam de bebedeiras, andarilhos, vagabundos, soldados e toda sorte de outsiders.

Ouça A Cidade dos Mendigos

#Pyongyang

Guy Delisle usa seu traço para romper o silêncio do regime político mais fechado do planeta. O quadrinista francês narra suas grotescas desventuras pela Coréia do Norte, país que permaneceu durante dois meses a trabalho, num tom sempre irônico e contestador. A realidade orwelliana do país de Kim Jong-Il não impede que as brechas sejam aproveitas pelo sempre atento olhar crítico de Delisle, que como estrangeiro (e artista) se via o tempo todo seguido por guias norte-coreanos devotos (ou aparentemente) do regime. Um quadrinho para todos que gostam de política, jornalismo ou uma história bem contada. Crônicas Birmanesas já está na fila de leitura.

#2009

O ano foi (ainda está sendo) de encontros e desencontros e de acertos de contas. Saí do turbilhão que foi 2008 e entrei um tanto confuso nesse ano, vasculhei o passado em busca de explicações para o presente e acabei encontrando nada além de passado. Fiz viagens interessantes, duas vezes para São Paulo – a primeira estava um tanto confuso com uma série de coisas, mas foi no final das contas esclarecedora e divertida, a segunda já fui com o espírito mais livre e aberto, se concretizando como uma das viagens mais legais que já fiz – uma vez pro Rio. Viajar é abrir o espírito. Meus planos passam necessariamente por viagens, cada vez além. Em 2010 já tenho viagens agendadas, se tudo der certo. Se tudo der errado também. Outra coisa legal desse ano que passou foi as pessoas. Consegui curtir cada uma de um modo. Muitas vieram, muitas se foram. Outras vieram e deixaram seu impacto ficando de alguma forma, as carregarei com prazer por onde for. Agradeço. Elas sabem quem são, sempre faço questão deixar isso claro. A pós-graduação que comecei sem muita ambição, ainda que aos trancos e barrancos, acabou sendo proveitosa. Ajudou a ter certezas de certas coisas no campo profissional (e intelectual) e aprendi a olhar por outro ângulo a Academia. Pessoas inteligentes academicamente são pessoas inteligentes academicamente, dominam por insistência um alfabeto e linguajar específico e se dão bem por isso. Parabéns a eles. Eu estou cada vez mais certo de que meu caso é outro. Prefiro campos abertos e possibilidades de fazer o que gosto de forma menos estéril. Ainda que seja um caminho mais longo e incerto. Enfim, em 2009 aprendi basicamente a lidar melhor com o fluxo. E meu plano para 2010 é simplesmente saber aproveitar melhor os acontecimentos e deixar que vida siga seu fluxo natural, sem medos ou receios.

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As sombras da guerra em seus diversos tons de cinza são mostrados por Kurt Vonnegut, escritor norte-americano de ascedência alemã, em Matadouro 5. Sobrevivente do bombardeio de Dresden, na II Guerra Mundial, o escritor traça, através de seu personagem, Billy Pilgrim, a trajetória de quem sobreviveu ao inferno.

Antes de tudo, Billy Pilgrim é um idiota. Não sabe ao certo o que está fazendo atrás das linhas alemãs. Só quer ser deixado em paz. O resultado disso é que vira prisioneiro de guerra. E a guerra transforma. Arranca de dentro do ser humano o pesadelo e o torna real.

A narrativa de Vonnegut é fragmentada, o tempo não é linear, já que seu personagem foi abduzido e mantido num zoológico extraterrestre. A guerra e a abdução, duas experiências-limites, arrancam a idiotia de Pilgrim. Transformam-no, primeiramente, num homem e posteriormente num cínico. Experiências de choque que cindem o espaço-tempo e proporcionam ao autor um irônico e ácido olhar sobre a humanidade.

slaughterhouse5

O tempo linear é uma ilusão humana, ensinam os tralfamordianos a Billy Pilgrim. A partir de então o personagem se solta no tempo, visitando a guerra, sua vida posterior, nascimento e morte. O tempo é imutável. Tudo aconteceu, acontece e acontecerá ad infinitum. Se é assim, não há o que se preocupar. Somente aprender a olhar os bons momentos. Mas Pilgrim, como bom humano, só aprende a compreender o tempo com a senilidade.

Nossa fragilidade em compreender e evitar as tragédias são ironizadas por Vonnegut. Preocupar com a guerra não é importante porque esta é inevitável, assim vaticina o atrapalhado Pilgrim. E assim Vonnegut nos ensina que guerras devem ser evitadas, mesmo que inevitáveis. Paradoxal e irônico, claro.

All time is all time. It does not change. It does not lend itself to warnings or explanations. It simply is. Take it moment by moment, and you will find that we are all, as I’ve said before, bugs in amber.

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Por uma planta que não morreu. Por tudo que ficou.

Me perdoa, não sei se conseguirei. Disse a ela, é necessário o escuro porque dele brota a luz. Como uma larva no interior visguento da crisálida, sem supor que a borboleta será seu próximo momento. (…) Tudo isso é um engano. Tenho vontade de trazê-la para cá, para cima do morro em Santa Tereza. Ela não suportaria, não suporta estar desperta e ter emoções. O ar é muito puro lá, chega a doer nos pulmões, eu disse quando ela espatifou as doze xícaras. Nenhum de nós poderia voltar atrás. Nem avançar ou parar de contar. (…) Tudo isso começou faz tanto tempo. Obliquidade, transparências. Reflexos sinuosos, ninguém compreenderia. Não estás sofrendo. Estás ausente da dor, tudo é branco. A escolha foi tua. Tem um preço: este.

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Nosso tempo é propício ao bodes espiatórios – sejam eles políticos que fazem de suas vidas privadas uma confusão, criminosos que se esgueiram nas ruas e nos bairros perigosos ou “estrangeiros entre nós”. O nosso é um tempo de cadeados, cercas de arame farpado, ronda dos bairros e vigilantes; e também de jornalistas de tablóides “investigativos” que pescam conspirações para povoar de fantasmas o espaço público funestamente vazio de atores, conspirações suficientes ferozes para liberar boa parte dos medos e ódios reprimidos em nome de novas causas plausíveis para o “pânico moral”.

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